quinta-feira, agosto 06, 2015

Compressas

Tu bem que te contorces, fechas os olhos, procuras encolher e juras que, se te cortares, não sangrarás, sairá ar ao invés. Mas não. És como os outros, és mais um.
Não és especial.
E mesmo sabendo que sangrarás dirás que não, que não foi fundo, talvez tenha ido mais fundo do que esperavas mas que te safarás bem com meia dúzia de compressas - que se assim foi com os outros também assim será contigo - e em dois ou três dias estarás de volta aos combates, serás mais um na linha que todos aguentam e onde todos esperam voltar a casa. Ela não cairá contigo.
Mas não és especial, já o sabias. E então desesperas.
Quando dás por ti não pensaste.
Quando dás por ti és ridículo.
E quando dás por ti és humano.

Somos todos. Menos o Mendes.
Esse era da Figueira da Foz.
O Mendes era parvo.


José Augusto Moreira, 71 anos,
Reformado

segunda-feira, agosto 03, 2015

Mecânismo

Todos na aldeia desejaram o novo sol.
E foi, com tranquilidade, que o viram erguer-se,
Rasgar o horizonte qual luz indomável,
Fonte de todo o poder, esperança e alegria,
Impondo o seu manto aos campos, às árvores e ás plantações.

Todos dançaram. A ninguém faltou contentamento.
Eis o novo sol.
Eis o novo brilho, o novo calor, a nova vida!
E, dançando, esgotaram 3 dias.

Porém, contudo, o sol era o mesmo.
E há quem diga que todos o sabiam.