domingo, julho 04, 2010

A memória

Conto-te uma de abrir a boca! Lá estava sempre muito calor, aquilo é terra muito quente... e vermelha, lá a terra é quase da cor desta camisola [aponta para a manta], nunca mais me esqueço... e tão depressa estava a chover como a fazer sol, era assim, lá era assim... e uma vez, em 1964 ou 1965, começaram-se a ouvir uns tiros e fui com o meu pai, que era pessoa honesta e muito querida por lá... tratava todos os empregados com respeito, todos gostavam muito dele, lá da vila era capaz de ser dos melhores patrões! E havia muita miséria, os brancos viviam bem mas os outros... ó ó... eram barracas! Barracas de madeira com tecto de... e chovia, chegava a chover lá dentro... lá chovia muito, era assim. E num dia, eu e o meu pai andavamos lá pela quinta e ouvimos uns tiros e o meu pai disse "Ó Zé, traz o jeep!". Era um Toyota, trouxemo-lo para cá em 1975 julgo eu, numa traineira até Faro, e durou muito tempo. Era um tanque, passava por tudo! Pedras, lama... tudo! E o Tibane veio connosco, ninguém conhecia aquelas terras como o Tibane. Faleceu há uns bons anos esse Tibane, ainda o voltei a ver em Lisboa na Baixa! Vê lá, o Tibane na Baixa! As voltas que o mundo dá. E tinha um Cortina vermelho, assim da cor desta camisola [aponta para as calças], nunca mais me esqueço, carro bom na altura! Vivia bem o Tibane! E então fomos lá, ver do que eram os tiros... e perdemo-nos.


                                   


José Augusto Moreira, 71 anos
Reformado

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