sábado, outubro 16, 2010

16 de Outubro

"É mentira essa coisa de que somos iguais desde que nascemos.
Nós somos a vida que levamos e como se isso não fosse uma qualquer operação cirúrgica, vamo-nos transformando e ficando diferentes. Se o tempo não passasse, se não crescêssemos, nem falássemos, nem saíssemos de casa, talvez ficássemos mais iguais ao que éramos no primeiro dia. Mas a partir do momento em que os dias passam e se sucedem, alteramo-nos. Para o bem. E para o mal.
Não sei se já terei dito isto, se calhar já disse, mas vejo as pessoas, todas as pessoas, como um qualquer computador, que, à medida que vai sendo utilizado, vai alojando alguns virús. Os virús são as outras pessoas que nos passam, o que nos acontece na sequência disso, o que nos dizem, as injustiças, as blasfémias, também a glória e as festas, e sobretudo as horas que não devíamos ter vivido e que nos marcaram porque estávamos ali. Só isso.
As pessoas deviam vir com antivirús. Por isso, acho que a vida devia ser igual a um vigilante e impiedoso sistema de protecção de um computador, ao mínimo passo em campo estranho, uma pergunta nos faríam: tem a certeza que quer ir por aí? Este caminho pode ter um virús perigoso. Mas nem sempre temos a certeza que não queremos ir por ali. E ao arriscarmos, ao experimentarmos caminhos e pessoas diferentes, no fundo ao vivermos, vamos por vezes sendo infectados por isso.
Daí que há quem seja uma virose em pessoa. Olho para elas e digo: "Aquela pessoa está cheia de virús!". E ao dizer isto vou correndo como posso. Por isso recuso a ideia de que somos sempre iguais: o homem que vos escreve hoje, já não será o mesmo quando o lerem. Há pessoas que são umas de manhã e outras ao final da tarde. Dizia-se por exemplo que o antigo presidente do Benfica Manuel Vilarinho era uma outra pessoa depois do almoço. Eu acredito. Do mesmo modo que afirmam que o Deco terá passado pelo mesmo clube sem que este tivesse reconhecido o seu talento. Isto é mentira. Porque era um outro Deco que por lá passou e por isso não foi visto. Ou acham que o Figo do Pastilhas era o mesmo do Barcelona? Ou que a Alexandra Lencastre da Rua Sésamo era a mesma das novelas?
Daqui que ninguém seja igual para sempre. São os dias e os virús que nos tornam diferentes".

Fernando Alvim

Já sei, já sei, enche o copo e cala-te.
Touché my friend, touché.